Provavelmente há muita gente a pensar que isto é irónico, mas não – acredito piamente que Pokémon GO é dos jogos mais engenhosos, interessantes e revolucionários de sempre. Agora chamem-me nomes.
O processo é o do costume: surge uma app-fenómeno, conquistando o planeta do dia para a noite, e o mundo passa a dividir-se entre as pessoas que convictamente a jogam, as que a jogam à experiência, só para ver o que é isto de que toda a gente fala, e as que descobriram mais uma bóia de salvação para os seus problemas de insegurança, entretendo-se a insultar toda a gente que anda a experimentar a app (embora, muitas delas, secretamente, a tenham instalado no telemóvel e a experimentem). Os insultos que já li por essas redes sociais a quem anda a jogar Pokemon GO são extraordinários, quase todos eles tendo em comum a mesma indisfarçável tendência de soarem à clássica arrogância adolescente de quem se quer sentir diferente de todo o rebanho, não porque considere, de facto, que uma app como esta é o fim da civilização, mas porque, simplesmente, está a exercer o seu direito – talvez legítimo – de se sentir, nem que seja por instantes, superior a toda a gente.
E sim, já houve manias electrónicas disparatadas e pouco saudáveis – recordo-me do quão doentio se tornou o Tamagotchi, nos anos 90, com casais a discutir vigorosamente sobre as horas de alimentação de um boneco feito de grossos pixels pretos sob fundo cinzento – mas quero aqui afirmar e reafirmar que, na minha humilde opinião, Pokémon GO nada tem a ver com isso. É claro que, como tudo o que é em excesso, pode acabar por fazer mal. Mas, na sua essência, consegue, de uma assentada só, ser a mais perfeita encarnação do conceito criado nos anos 90 pela Nintendo (coleccionar monstros) e, por fim, o mais estimulante e divertido uso da chamada Realidade Aumentada, coisa que tem estado no centro de milhares de experiências interessantes mas, vistas bem as coisas, não muito satisfatórias.
Até ser usada em Pokémon GO.
E não, eu não jogo muito Pokémon GO. Tenho muito trabalho e, ao mesmo tempo, sou demasiado preguiçoso para me entregar ao que o jogo me pede. Mas consigo reconhecer o quão brilhante ele é. Eis as razões:
É uma colecção de cromos. Toda a gente adora coleccionar cromos. Toda a gente passou por isso na vida e há quem, na idade adulta, continue a passar. É um passatempo inócuo e que, ao mesmo tempo, nos provoca um quentinho de satisfação. Na sua essência, Pokémon é uma colecção – e há uma zona na app que torna isso bastante explícito, um quadro que se vai enchendo aos poucos com as criaturas que vamos caçando aqui e ali.
Obriga o jogador preguiçoso e sedentário a levantar o cu do sofá. Só por isto, Pokémon GO já merecia prémios. Queremos obter monstros, itens, levar a cabo duelos? Então ponhamos os pés a caminho do ponto indicado no mapa, porque ficar em casa não leva a lado nenhum, a não ser à imagem de um boneco parado num centro de um mapa da zona em que estamos, com pontos de potencial interesse marcados até perder de vista.
É uma felicidade para os nossos cães. Nunca os cães foram tão passeados como desde que Pokémon GO entrou nas vidas dos habitantes do planeta Terra. São eles, sempre prontos para caminhadas pelo quarteirão, quem acaba por ganhar mais com uma app que está a levar muitos donos de cães a aumentar drasticamente o número de passeios diários, dirigidos aos locais – no mapa do jogo, que é o nosso mapa real – onde existem coisas para caçar.
É didáctico. Ao posicionar os pontos de interesse do jogo em zonas como monumentos ou lugares públicos importantes, Pokémon GO está a tornar-se num dos mais divertidos guias turísticos da História da Humanidade. Os pequenos monstros de bolso e outros objectos e locais importantes do jogo estão situados em locais que a própria app explica o que são. Isto é óptimo em viagens para locais desconhecidos – o jogo avança e o nosso conhecimento dos sítios também.
Pode levar à criação de laços de amizade reais. A palavra “amigos” é usada de forma leviana e abusiva numa rede social como o Facebook. Cria-se a ilusão de amizade entre pessoas que, na verdade, mantêm uma “relação” baseada em pequenas cápsulas de texto, imagens, vídeos. Ninguém sabe verdadeiramente como é a pessoa que está do outro lado e que se diz “amiga”. Já Pokémon GO junta pessoas de carne e osso em locais concretos, reais. É fácil descobrir mais pessoas a jogar o jogo no parque ou no monumento em que estamos, é fácil iniciar conversas e fazer contactos. É claro que torna mais fácil também cruzarmo-nos com psicopatas, mas tenhamos algum pensamento positivo.
Acaba por ser mais eficaz que apps como o Tinder para encontrar o amor. Convenhamos que Pokémon GO é uma experiência divertida, mas profundamente nerd e à qual, a médio prazo, possivelmente só os mais nerds ficarão dedicados, após passar o entusiasmo aos jogadores mais casuais. Ao contrário de apps falíveis como o Tinder, Pokémon GO junta pessoas com, pelo menos, um interesse bizarro semelhante: caçar monstros portáteis. Há melhor quebra-gelo?
É um Ovo de Colombo simples e engenhoso. Não, a Nintendo não me está a pagar um tusto para eu dizer isto. Só que há que reconhecer que Pokémon GO é a ideia de jogo mais simples (embora tecnologicamente complexa) e eficaz desde Angry Birds. E é, genuinamente, um passo em frente nesta indústria, que decerto virá a ter a sua dose interminável e insuportável de imitações.
Nem toda a gente é obrigada a gostar disto; mas sovar as pessoas que andam a jogar Pokémon GO parece-me ser a postura do tipo que não fornica nem deixa fornicar, vociferando contra algo que não percebe bem o que é, só porque não está lá dentro a divertir-se. Não sei se este jogo vai durar muito ou se vai ser uma moda bombástica passageira – mas é uma óptima ideia, muitíssimo bem posta em prática.
(Agora: convém ter algum cuidado – e sobretudo não deixar crianças caminhar sozinhas, por todo o lado, de telemóvel em punho. É o chamado bom senso.)