Talvez seja uma coisa dos (quase) 45 anos. Mas ando com uma sede tremenda de fazer coisas diferentes e por vezes absolutamente bizarras no meu trabalho. Digo que é da idade – com tudo o que isso implica de receios de perda de graça, de imaginação, de relevância – mas provavelmente terá a ver também com o número de anos de serviço. Se calhar só agora está na altura de apresentar às pessoas um argumento em que uma das personagens passa 99% do filme metida num fato de dinossauro cor-de-rosa; se calhar só agora está na altura de criar uma série de instalações fotográficas centradas num boneco articulado do mais famoso futebolista português; se calhar só agora está na altura de dizer tudo o que me passa pela cabeça – quase, literalmente, tudo – num podcast com a palavra “cu” no título e que dará origem a quatro espectáculos nos Coliseus de Lisboa e Porto, em Setembro. Está tudo a acontecer, e mais vai ainda acontecer (de repente surge a possibilidade de, no ano que vem, escrever duas ou três séries de televisão – e só escrever, que é das coisas que mais felicidade me dá – e há dois argumentos para cinema escritos, Por Ela e Manual de Instruções, que têm de ser feitos nem que parta a espinha).
Esta semana o trailer de Refrigerantes e Canções de Amor foi libertado para o mundo. O feedback está a ser óptimo e, pela minha parte, agradeço tudo o que sobre ele tem sido dito, bem como as partilhas que estão a ser feitas. Quando se escreve um argumento tão pessoal como este – e para perceberem o quanto ele é pessoal e espelha a minha vida, aconselho a que leiam isto – há um misto de dor em prazer em largá-lo nas mãos de outros para que o transformem num filme. O processo teve altos e baixos, dores e alegrias. Nunca é demais dizer que se não fosse a Cláudia Semedo, que esteve no Big Bang deste filme, ele não estaria agora prestes a estrear. Terei sempre uma dívida de gratidão para com ela. Depois houve as extraordinárias e preciosas dicas do Filipe Melo, um dos tipos mais brilhantes que conheço e uma das primeiríssimas pessoas a ler e a opinar com olhar clínico sobre o argumento.
O Luis Galvão Teles viu cinema nas minhas palavras, reuniu um elenco de excelentíssimos actores – Ivo Canelas, Victoria Guerra, João Tempera, Lúcia Moniz, Ruy de Carvalho, André Nunes, Gregório Duvivier, Marco Delgado, Sérgio Godinho, Jorge Palma – e dirigiu-os com a ajuda do olhar vibrante do director de fotografia brasileiro Gustavo Hadba.
Coisas que ainda agora me espantam: uma, que o Jorge Palma tenha achado boa ideia fazer de Jorge Palma imaginário (e fez, brilhantemente). Quando escrevi o argumento, só pensava: “Se o Jorge Palma recusa fazer isto, temos um problema”. A personagem do músico imaginário não era genérica, não era um espaço em branco para ser ocupado pelo Músico Lendário Português que estivesse mais a jeito – desde a primeira hora que é um Jorge Palma imaginário. Espanta-me também que alguém com cuja música cresci e que é um dos nossos maiores artistas, o Sérgio Godinho, não só tenha alinhado em fazer o papel de um assassino contratado, como tenha ainda escrito toda uma letra baseada no meu argumento para a canção principal da banda sonora do filme, composta pelo Filipe Raposo. Poder dizer que o Sérgio Godinho criou uma letra com base numa história minha é coisa para passar a ostentar à cabeça do currículo.
Cruzei-me no Reddit com alguém que dizia “isto é a mistura do Frank com o Begin Again e o 500 Days of Summer“. A observação destina-se a tentar provar que este meu argumento anda a apanhar coisas de outros filmes (uma personagem escondida por uma máscara, um diferendo entre músicos, uma história de amor bizarra), mas a questão é que o Frank é um filme de 2014; o Begin Again é um filme de 2013; o 50o Days of Summer é um filme de 2009. O argumento de Refrigerantes e Canções de Amor foi escrito em 2007 e anda desde essa altura a concorrer a subsídios e apoios. Não sei se é mau ou bom argumento, mas sei que o principal lugar onde fui escarafunchar material para esta história foi ao que se andava a passar na minha vida em 2007, cruzado com um certo tom que têm as comédias de mestres de diversas gerações – de Billy Wilder a Cameron Crowe.
Agora o filme está quase aí. Nervos. Espero que gostem. E que vão ao cinema em número suficiente para eu ter oportunidade de fazer mais filmes, porque tenho mais umas histórias para contar!