Adoro os Coen. Não há um filme em toda a sua obra do qual eu não retire valente gozo, sejam as obras-primas incontestadas como Sangue Por Sangue ou Este País Não é Para Velhos, ou os desvarios cómicos como Irmão, Onde Estás? ou mesmo o largamente odiado remake da comédia The Ladykillers (sim, eu gosto do The Ladykillers dos Coen, e depois?). Salve, César! é desta última estirpe. Um filme sobre a era clássica de Hollywood com o detalhe e o requinte visuais de Barton Fink, mas a demência meio aleatória de Destruir Depois de Ler. E é lindo, em todo o seu glorioso disparate. Um espectador ainda pode tentar entreter-se a catar uma mensagem em Salve, César!, tentar descortinar uma sátira que faz uso do passado para falar da Indústria de Cinema de hoje. Mas eu gosto quando os Coen parecem, na verdade, não estar a dizer nada. Apenas a regalar-se e a regalar-nos com diversão pura. Há uma quantidade de momentos neste filme que podem levar a que o espectador se pergunte “mas porquê?”, e certamente que a resposta de Joel e Ethan seria: “Porque sim”. Não são todos os realizadores e argumentistas que conseguem sacar “porque sins” da cartola com esta classe.
Quando o filme arranca e a voz off de Michael Gambon inicia a descrição dos trabalhos do protagonista, o fixer de sarilhos em Hollywood, Eddie Mannix (Josh Brolin, interpretando a única personagem deste filme que, de facto, existiu), é impossível não nos lembrarmos – embora aqui num registo mais british – do cowboy narrador de Sam Elliot em O Grande Lebowski. E tal como nesse clássico, há uma trama de mistério – o rapto de Baird Whitlock, super-galã (George Clooney, em mais um dos tontos que os Coen adoram vestir-lhe). Mas depressa percebemos que não há mistério nenhum. Nem sequer nenhum drama: Whitlock foi raptado por comunistas com quem partilha algumas horas de galhofa. Eles resumindo-lhe O Capital, de Marx, ele contando historietas dos bastidores dos filmes. O resto forma aquele que é capaz de ser o filme mais livre dos Coen, coisa que suponho que vá irritar alguns críticos. É que Hail, Caesar é menos uma história com cabeça, tronco e membros do que uma espécie de luxuoso programa de sketches e números alucinantes de dança e música, magnificamente realizado, onde uma quantidade insana de estrelas tem direito, em alguns casos, a brevíssimos minutos para mostrar o que vale. É o caso de Ralph Fiennes, no papel de um afectado realizador britânico que quase vai à loucura a tentar dirigir um cowboy cantor numa adaptação de uma peça da Broadway, ou Frances McDormand, cuja micro-participação neste filme é um gag desconcertante e parvo que me fez rir até às lágrimas.
Não é dos melhores filmes dos Coen? Não, mas – que se lixe – é magnífico. Ninguém faz filmes como eles, vozes tão particulares que ninguém ousa imitá-los. Ver cada novo filme de Joel e Ethan Coen tem, em mim, o mesmo efeito de ver cada novo filme de Wes Anderson: as suas respectivas obras são como que cidades exuberantes mas acolhedoras onde é sempre um prazer voltar. Sabemos que estará lá sempre algo de novo à nossa espera, mesmo que lhes conheçamos as ruas como a palma da nossa mão.
Vi Hail Caesar! numa das últimas salas de cinema românticas da Grande Lisboa: o Atlântida Cine, em Carcavelos. Ir lá é ajudar a manter vivo um espírito que pode parecer mais pequenino que IMAXs, 3Ds e Dolbys Atmos, mas que acaba por ser mais Cinema do que todas essas inovações juntas. Caramba, o Atlântida tem som de sinos a chamar o público que está no bar, tão acolhedor e tão retro, e tem cortinas que abrem e fecham. É provável que o público de hoje se inquira: “Mas porquê perder tempo à espera que uma cortina abra para começarmos a ver o filme?”
Então, porque sim.